Nos mais diversos espaços, encontramos como temática comum algum tipo de referência à utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) nas situações de ensino. Seja nas salas de aula tradicionais ou em sofisticados ambientes de aprendizagem, as tecnologias são colocadas como presença obrigatória. Entretanto, muitos são os sentidos dados ao tema. Dessa forma, se não há dúvidas acerca de um lugar central atribuído às TIC, também não há consenso quanto à sua delimitação.
Nesse gradiente de opiniões, encontramos as TIC como elementos inseparáveis dos projetos de sociedade e educação, como elementos estruturantes de um novo discurso pedagógico, num extremo, e como uma forma de assassinato do mundo real, com a liquidação de todas as referências, noutro. Mas as TIC podem, afastando-se dos extremos, constituir novos formatos para as velhas concepções de ensino-aprendizagem, inscritas em um movimento de modernização conservadora ou, ainda, em situações específicas, acrescentar diferenças qualitativas nas práticas pedagógicas.
Em outras palavras, as TIC são assumidas como condição necessária, mas não suficiente, para o redimensionamento da educação. O caminho aqui assumido está centrado na formação dos profissionais da educação, focalizando deslocamentos e ressignificações no/do discurso pedagógico. No discurso do MEC (Secretaria Especial de Educação a Distância), o sistema tecnológico é deslocado para a posição de sujeito, sendo a ele atribuída uma suposta revolução: “As linhas de ação da SEED fundamentam-se na existência de um sistema tecnológico - cada vez mais barato, acessível e de manejo mais simples - capaz de [...]um novo paradigma para a educação brasileira”. É importante assinalar que, na própria nomeação da secretaria criada para coordenar as ações ministeriais em relação às TIC, a centralidade é atribuída a um terceiro elemento: a educação a distância (EAD). Como todos os seus programas dizem respeito à utilização intensiva de tecnologias na formação de professores, a inicial cada vez mais reduzida à certificação e o investimento cada vez mais concentrado em estratégias de “capacitação em serviço”, tanto a formação quanto as tecnologias parecem incluídas na EAD.
A associação das TIC à EAD aponta para uma relação definidora também no
discurso dos organismos internacionais, operando uma distinção a mais entre os países desenvolvidos e “em desenvolvimento”: as TIC para o aperfeiçoamento do ensino (“presencial”) nos primeiros; e para a substituição tecnológica (ensino a distância) nos últimos.
Entre os diversos exemplos existentes desse discurso, merece destaque um artigo que aborda a mudança de paradigma na formação de professores (nos países desenvolvidos): da separação entre formação inicial e em serviço para um continuum caracterizado pela articulação de teoria, prática e pesquisa, abrangendo a formação inicial, a inserção na profissão e o desenvolvimento profissional ininterrupto. Neste movimento, as tecnologias são inseridas como estratégias para aperfeiçoar o processo de formação como um todo. O mesmo artigo, ao tratar da formação de professores nos países “em desenvolvimento”, desloca as TIC para as estratégias de EAD, em especial para os programas de certificação em larga escala. As tecnologias, postas no centro, podem funcionar como um divisor importante.
Precisa-se de ferramentas cada vez mais sofisticadas, mas... a imagem das “novas” tecnologias educa as classes populares latino-americanas na atitude mais conveniente para seus produtores: a fascinação pelo novo fetiche. Um novo ícone da modernização e uma aposta clara na mistificação tecnológica, sustentada pela racionalidade instrumental, a partir de uma simplificação de raiz: a suposição de que as tecnologias sejam ferramentas ou instrumentos neutros, passíveis de serem utilizados de qualquer modo.
Esta construção ideológica é indissociável da atitude de assumir as TIC como dotadas de vida própria, deslocadas para a posição de sujeito, ou, pelo menos, como determinantes de processos em que também estão enredadas. Mesmo sem aprofundar as questões relativas à revolução científico-tecnológica em que estão inscritas, não é admissível pensar as TIC na base das relações que as engendram. Elas não são o contexto, mas são, elas próprias, descontextualizadas de áreas específicas (informação e comunicação) e recontextualizadas no discurso pedagógico. Daí a necessidade de analisar os modos da sua apropriação educacional, condicionada pelos organismos internacionais, especialmente no que diz respeito à educação dos educadores.
Só é possível avaliar o uso de uma ferramenta em função da matéria a ser trabalhada e dos objetivos de cada trabalho concreto. É preciso manter este foco na abordagem das políticas educacionais e das práticas pedagógicas. Precisa-se de ferramentas cada vez mais sofisticadas, não para operar mágicas, mas para não permitir a simplificação da matéria a ser trabalhada.
Baseado no texto Em torno da tecnologia: a formação de professores, de Raquel Goulart Barreto.
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